domingo, 30 de outubro de 2011

Aula sobre Carlos Drummond de Andrade



Aula de Português


Carlos Drummond de Andrade

A linguagem na ponta da língua tão fácil de falar e de entender.
A linguagem na superfície estrelada de letras, sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góes, ele é quem sabe, e vai desmatando o amazonas de minha ignorância. Figuras de gramática, equipáticas, atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé, a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.


***

Carlos Drummond de Andrade foi um poeta modernista, que demonstrou irreverência, ousadia no escrever o que via com os olhos e a alma. Tratava-se, portanto, de alguém que dava sentido à nova escola literária e provocava uma reflexão apurada no ‘rabiscar’ o papel com seus pensamentos, sentimentos e análises da vida humana.

Ler os poemas, as crônicas de Drummond é o mesmo de ser parte do conto relatado. A sensação que temos é a de sermos um participante ativo e oculto, ao mesmo tempo. Ativo, por você viver cada uma das cenas e fatos retratados. Oculto, por, definitivamente, não estar inserido na história.

Esse fazer parte sem fazer efetivamente é a tal reflexão que o modernismo proporcionou à gama de leitores, estudiosos da literatura e da língua portuguesa. E a reflexão é diversa. Não há limite de assuntos, temas para serem abordados.

O amor é um deles:

Amar

Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
A lembrança de quando criança, contada como se fosse hoje, é outro exemplo:

Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras.
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

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